"... E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente.
Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros.
Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram.
Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."
Miguel Sousa Tavares
(Escritor português, a propósito da perda de sua Mãe, a escritora e poetisa Sophia de Mello-Breyner)
Inocência:
"Era linda a menina loura, de olhos azuis. Candura e inocência não poderiam ter melhor lugar para morar. Bem comportada e prendada, sempre pronta a ajudar.
Estranho passatempo tinha a menina de faces rosadas. Horas e horas passadas no quintal, sentada e debruçada nas escadas cor de tijolo. Perdida nos seus pensamentos, pensavam os que a rodeavam.
Mas a menina loura de olhos azuis passava tardes a fio observando os carreiros de formigas que se formavam em redor da azarada abelha morta. Era assim, uma após a outra. Começando numa tarde a observar o fenómeno que se dera espontaneamente, já era ela que o provocava. Ía até a cascata e tentava por todos os meios afogar mais uma abelha. Tentava que ficasse semi-morta para que, uma vez trazida com uns pauzinhos para a escada, onde o exército das formigas se reunia, transportando o aparente cadáver, a abelha recuperasse e lutasse pela vida, ainda que invadida e quase condenada.
Os seus olhos azuis brilhavam um pouco mais em face da violenta batalha.
Outras tantas vezes, após o longo e tortuoso caminho percorrido pelas formigas transportando a sua presa, a menina pegava na abelha e colocava-a no ponto inicial. E as formigas voltavam atrás, para voltar a percorrer o caminho novamente.
Certo dia, deu por si a pensar quem estaria a observá-la e que tipo de formiga seria ela. Seria a abelha ou seria a formiga? Não sabia. No entanto, nada disto lhe trazia menor candura(...)"
(NR:Just feel it)